Livro sobre o culto da Santa da Ladeira/Portugal

O antropólogo Aurélio Lopes lança no próximo sábado, na Biblioteca Municipal de Torres Novas, o livro: “Anátema, devoção e poder: a santa da Ladeira”, que resulta da tese de doutoramento que concluiu em 2013.

Resultado de uma investigação sobre o culto surgido em torno da figura de Maria da Conceição Mendes, conhecida por “Santa da Ladeira” ou “Mãe Maria”, o livro, que integra a coleção Antropologia das Edições Cosmos, terá apresentação no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Santarém no dia 28.

O culto da Ladeira do Pinheiro (Torres Novas), nascido de um fenómeno místico e de vidência, é, para o antropólogo Aurélio Lopes, único entre os cultos de raiz popular por se ter conseguido afirmar “independentemente da igreja católica”, perdurando há meio século.

Interessado pela temática, Aurélio Lopes publicou um estudo sobre as aparições de Fátima (que deu origem, em 2009, ao livro: “Videntes e Confidentes”, das edições Cosmos) e outro sobre as mudanças das práticas religiosas dos avieiros (povos que, no início do século XX, migraram da costa para as zonas ribeirinhas do Tejo e do Sado).

O caso da Ladeira “é um fenómeno que surge nos anos 1960 a partir de uma personagem mais ou menos carismática e que, com o tempo, assume as características de um culto católico diferente, popular, que foi adquirindo estrutura em volta da mística” criada por Maria da Conceição, disse o antropólogo à agência Lusa.

“Conjugaram-se vários fatores para este culto sobreviver”, disse Aurélio Lopes, situando no 25 de Abril de 1974 e na abertura que este trouxe a outras religiões a oportunidade de reconhecimento (neste caso pela Igreja Ortodoxa Alternativa) que a “Santa da Ladeira” perseguia há anos, sem sucesso, junto dos católicos romanos.

Apesar de acolher o culto ortodoxo, Maria da Conceição tentou sempre manter os ritos católicos, simbolizados no facto de ter colocado um altar católico no santuário que inaugurou em 2000 (três anos antes da sua morte), hoje retirado, acalentando a ”utopia” de criar um espaço ecuménico, aberto a várias religiões, afirmou.

Aurélio Lopes tem-se interessado por estudar o que mudou nos fenómenos das aparições e dos videntes, concluindo que os “novos cultos” são protagonizados por adultos “de personalidade forte, simplórios, sofredores, que vivem num mundo mais aberto, com a noção dos seus direitos”.

Entre estes “novos cultos”, que proliferaram depois das “aparições de Fátima”, aponta os de Vilar de Chão (Alfandega da Fé), Asseiceira ou Ponte de Sôr.

“Tal como a rapariga de Vilar de Chão, estamos perante pessoas adultas que sofrem, ambas tiveram a sua primeira ‘experiência’ quando estavam no hospital. Estar doente e curar-se é Deus a marcar com singularidade, dando uma nova oportunidade para o servirem. Os nossos ‘santos’ são assim. Quando se sofre terrivelmente sem encontrar explicação isto fornece um sentido ao sofrimento, passa a ser um desígnio de vida”, segundo o antropólogo.

No caso da “Santa da Ladeira”, Aurélio Lopes refere que Maria da Conceição “começa por ser vidente, passando depois para as profecias e daí para os êxtases, num processo que congrega nela todas as valências transcendentes que nos ‘santos’ do passado não estavam reunidas”.

São não só as ‘visões’ que vão “evoluindo, como também o próprio discurso que, embora sempre simplório, vai-se elaborando e tornando mais extenso. Aprende a ler sozinha, o que é também considerado um prodígio”.

Depois, “o caráter dela impressionava. Estas pessoas têm de ter carisma, capacidade de liderança natural”, frisou.


Para a sua investigação, Aurélio Lopes socorreu-se dos jornais locais, mas também nacionais, como o Século Ilustrado, que, “em artigos muito violentos, exigia ao Governo para acabar com aquela ‘pouca vergonha’”, de livros anónimos escritos antes do 25 de Abril por padres espanhóis e do testemunho de pessoas da região.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura